Nessa entrevista o professor de economia Lauro Mattei comenta e analisa o atual quadro econômico brasileiro : entre altos e baixos, círculos, cruzamentos e outras figuras de estilo, o Brasil tenta, com algumas piruetas, acompanhar a dança da economia mundial.
Brasilidade : Lauro, o Brasil parece abraçar a austeridade em um momento em que, fora do país, políticas dessa linha são colocadas em xeque. Você acha que este é o caminho certo para o crescimento do Brasil ?
Lauro Mattei : A resposta a essa questão precisa ser delimitada diante do cenário de crise que a economia global ainda encontra-se envolvida. Entre 2009 e 2010, o Brasil aparentemente mostrava ter superado os principais obstáculos dessa crise. E isto ficou comprovado pelo expressivo crescimento do PIB, especialmente em 2010, quando as principais economias mundiais patinavam, ou até mesmo apresentavam resultados negativos. Todavia, esse cenário otimista não se mostrou consistente e logo em seguida, de 2011 em diante, o país começou a patinar e os dados passaram a se tornar inexpressivos e até mesmo preocupantes, especialmente em 2013 e 2014, quando as taxas de crescimento do PIB ficaram bem abaixo do projetado. Assim, o Brasil, a principal economia do continente latino-americano, apresentou um dos seus piores desempenhos.
Esse cenário obviamente introduziu a incerteza, potencializada pelo processo político de sucessão presidencial que ocorreu no final de 2014, acarretando problemas nas contas públicas, crescimento da inflação, déficit na balança comercial, etc. Esses indicadores obrigam qualquer gestor público, independentemente dos partidos políticos que estiverem à frente do Governo, a tomar medidas visando reverter esse quadro. É dentro desta lógica que devem ser analisadas as medidas de austeridade adotadas pelo Governo Dilma (II).
É natural que num primeiro momento essas medidas produzam efeitos negativos sobre o conjunto da economia, especialmente retardando investimentos e estimulando ganhos não produtivos nos mercados financeiros. Mas é a opção necessária para retomar-se o crescimento econômico nos próximos períodos com bases mais sólidas e com as contas públicas mais bem ajustadas. Infelizmente o timing econômico do Brasil - num cenário econômico global que se mantém incerto - é esse, e as principais ações de política econômica adotadas até o presente momento vão na direção correta, mesmo que provoquem a curtíssimo prazo efeitos negativos sobre a taxa de crescimento do PIB, que em 2015 dificilmente será positiva. Mas isso não quer dizer que a economia do país, em seu conjunto, encontra-se numa situação recessiva.
Brasilidade : Mas o fato é que o governo já esgotou suas ferramentas para tentar impulsionar a economia e agora não tem alternativas diante da necessidade de segurar a inflação. Como colocar as contas em dia ?
Lauro Mattei : Penso que parte dessa pergunta já foi respondida anteriormente. Gostaria de acrescentar que, de fato, todos os mecanismos de política econômica adotados nos últimos 3 anos produziram poucos efeitos. E o desempenho do PIB brasileiro confirma isso. Todavia, não devemos esquecer que diante do cenário global adverso, os resultados não foram tão ruins, se compararmos com outras economias centrais, como a do Japão, da França, da Espanha, da Itália, do Portugal, etc.
Acontece que a principal estratégia brasileira de enfrentamento da crise foi o estímulo do crescimento econômico via expansão da demanda interna. Todos sabemos que essa estratégia tem limites, sendo que o mais visível de todos é o grau de endividamento das famílias. Com crédito farto e barato disponibilizado pelos bancos públicos, com salários com ganhos reais e com uma inflação relativamente estável, foi possível manter a economia em funcionamento, mesmo que a taxas baixas via expansão do consumo doméstico.
Porém, os anos de 2013 e 2014 mostraram os limites dessa estratégia. Quando esse sinal ficou mais evidente, os investimentos econômicos no país começaram a se reduzir. Isso está comprovado quando se observa uma redução considerável da taxa global de investimentos dos últimos anos em relação ao PIB do país. Mesmo não sendo muito elevado - sempre se manteve abaixo dos 20% do PIB - nos últimos dois anos apresentou tendência de queda.
Esse é um sinal muito negativo para os investidores, sejam eles internos ou externos. É justamente esse clima que tomou conta da economia brasileira em 2014, situação que foi potencializada pela disputa política e agravada pelos escândalos de corrupção.
Brasilidade : A revista britânica The Economist afirmou que a nomeação da nova equipe econômica do Brasil é positiva para o país, mas sinalizou uma "fraqueza" da presidente Dilma Rousseff. O que você acha da dupla Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) ?
Lauro Mattei : Eu não diria - como o The Economist - que foi um sinal de fraqueza, mas sim uma ducha de realidade. Explico: depois de passar todo primeiro mandato (2011-2014) acreditando que as políticas de sua equipe econômica estavam corretas, a presidente eleita percebeu que alguma coisa estava errada. Em economia não há milagres: ou se tomam as medidas adequadas, ou o barco afunda. E o barco econômico brasileiro estava afundando, por mais que se acreditasse na estratégia de crescimento via expansão da demanda interna.
A realidade mostrou os limites dessa estratégia. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira esses limites foram bem mais expressivos, obrigando o governo - seja qual for - a seguir os ensinamentos econômicos.
Sobre a nova equipe econômica, espero que eles saibam dosar duas coisas : fazer os ajustes necessários, mas também estimular a retomada do crescimento econômico em patamares compatíveis com a importância da economia brasileira no cenário global. Isso fundamentalmente significa que é necessário adotar mecanismos de estímulos aos investimentos produtivos, especialmente nos setores agropecuário e industrial, onde o Brasil mantém razoável taxa de participação no mercado mundial. Os primeiros passos foram dados, mas ainda há muito a ser feito.
Brasilidade : Diante dos inúmeros escandalos políticos e financeiros que deterioraram a imagem e a credibilidade do Brasil, que dicas econômicas você daria ao governo para retomar a confiança dos brasileiros, do mercado e dos investidores ?
Lauro Mattei : Veja bem, a corrupção faz parte da política brasileira desde os primórdios da fundação do país. Todavia, nos últimos tempos, especialmente no período pós democratização (1985 em diante) ela assumiu níveis inaceitáveis. Atualmente ela desencadeou algo muito preocupante que é seu total enraizamento nas diversas esferas governamentais. Com isso, o público e o privado estão cada vez mais embricados em interesses escusos.
Assim, entendo que só há um caminho: a luta implacável contra os corruptos, sejam eles políticos, empresários ou mesmo funcionários públicos. Não é mais possível tolerar essa situação, uma vez que foi aceitando pequenos delitos como normais que se chegou onde nos encontramos hoje. Mas minha receita tem poucas chances, infelizmente, de se tornar realidade, uma vez que o próprio sistema judiciário também já foi contaminado pelo vírus da corrupção, por mais que se tenha um juiz aqui e outro acolá querendo fazer a verdadeira justiça.
A sociedade brasileira, penso eu, ainda não está preparada para fazer esta luta, que é árdua e longa. Escândalos são noticiados todo dia, inclusive por meios de comunicação tão corruptos quanto aqueles que eles denunciam.
Enfim, este é o Brasil. Oxalá um dia possamos viver em uma nação cujo fundamento não seja a "Lei do Gerson".
Lauro Mattei, economista formado pela Universidade de Campinas e de Oxford (Inglaterra). Atualmente trabalha como professor nos cursos de Graduação em Ciências Econômicas e no Programa de Pós-Graduação de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua também na área de economia, priorizando os seguintes temas: desenvolvimento econômico, desenvolvimento rural e territorial, economia brasileira e regional, economia do trabalho e políticas públicas de erradicação da pobreza e da exclusão social.